Agora tudo é violência doméstica contra elas?

Homem questionando de forma irônica se: Tudo é violência doméstica?.

Agora tudo é violência doméstica contra elas? 

A pergunta, carregada de ironia, aparece com frequência nos encontros com homens que cumprem medidas protetivas. Às vezes vem com mais veneno: “E quando é que vão criar a Lei João da Penha?”

Essas provocações, ainda que mascaradas de humor, escancaram uma resistência. E é nesse ponto que começa nosso trabalho. Ironia, em contextos de conflito, raramente é só uma piada, frequentemente é um modo velado de atacar, de se esquivar da dor ou da responsabilidade. E, acima de tudo, é ineficaz como forma de demonstrar insatisfação.

Nos grupos reflexivos, onde esses homens chegam,  por vezes acuados, por vezes desinformados, a “Lei Maria da Penha (11.340/06)” não é mais apenas uma sigla jurídica distante. Ela passa a fazer parte da vida do indivíduo, impondo limites, mas também possibilitando a compreensão e mudança.

Acontece com frequência homens chegando como muito achismo, pouco ou quase nenhum conhecimento sobre os desdobramentos que uma medida protetiva causa. Não sabem, por exemplo, que a medida protetiva não é apenas uma punição, é também uma chance de interromper um ciclo. E, talvez, pela primeira vez, olhar para si com honestidade.

Nos encontros, não impomos manuais. Trabalhamos com histórias. Histórias reais, vivências que emergem a partir do chão que cada homem pisa. Construímos juntos uma espécie de mapa: um retrato das violências do cotidiano, aquelas que nem sempre deixam marcas visíveis, mas que corroem relações, silêncios e presenças.

Um dos principais processos é o reconhecimento da violência que se prática, embora nem todo ato de machismo resulta diretamente em violência física, mas o machismo é a base cultural e ideológica que permite e normaliza muitas formas de violência contra mulheres e pessoas de gênero marginalizado. Gerando um ambiente onde a violência é mais provável, aceita ou ignorada.

Responder se “tudo é violência doméstica?” exige uma escuta mais profunda do que uma resposta automática. Exige que o homem deixe de ser apenas reativo e se coloque no papel de sujeito capaz de gerir seus conflitos, de lidar com suas frustrações sem precisar ferir o outro. Porque é aí que começa uma possibilidade real de transformação: quando o sujeito se permite elaborar as dores dos desejos não realizados e se responsabiliza pelas consequências dos seus atos.

Este trabalho não é sobre fazer de todo homem um “monge budista” ou tão pouco demonizar todos os comportamentos. É sobre atravessar, desconstruir narrativas herdadas, reconhecer feridas antigas, repensar o que significa ser homem em uma sociedade que, por tanto tempo, ensinou que sentir é fraqueza e controlar o outro é prova de poder.

Não, nem tudo é violência doméstica. Mas tudo pode ser uma porta de entrada para pensar o que ainda precisa mudar, fora e dentro de cada um de nós.



Ref: SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, Patriarcado e Violência. São Paulo: Expressão Popular, 2004. ONU Mulheres. Violência contra mulheres. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br

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